Amanhã, com o Diário da República, perdão, o Expresso, é-nos «oferecido» (pagantibus) o Dicionário Político à Portuguesa, de José António Saraiva. Vinte anos e peças e pontificações, para tomar um título de Mailer. Quebrando a sua monástica reclusão - o homem até escreve as crónicas em casa, afastado das conspirativas redacções - o dr. JAS apareceu nas nossas televisões a promover o livro. Diz ele que não é modesto, e que portanto não pode deixar de verificar que teve quase sempre razão, mais razão do que qualquer outro analista. Não somos apreciadores da modéstia intelectual, excepto nos génios, e por isso percebemos o dr. Saraiva. Mas independentemente de fazer a contabilidade das vezes em que acertou o errou, convém desmontar o argumento de que a análise política é uma espécie de totoloto de intuitivos; «ter razão» não é o que mais importa, até porque, salvo nas magnas questões, «ter razão» é muito relativo. Um grande analista político deve, em primeiro lugar, ser o termómetro da sua época, aperceber-se dos grandes problemas, das ideias chave, dos homens decisivos. Em segundo lugar, deve ser capaz de enquadrar e de certo modo desmontar todos esses elementos, porque se a política não é uma ciência (graças a Deus), é pelo menos uma técnica, e não há quase nada de novo debaixo do sol. E, finalmente, o grande analista político deve imprimir o seu cunho pessoal aos textos: do ponto de vista estilístico, na prosa, do ponto de vista emocional, no diálogo com o leitor, e do ponto de vista ideológico, no modo claro como enuncia a sua própria geografia. Ora o dr. Saraiva não é um grande prosador (como Vasco Pulido Valente), não cria um laço emotivo com quem o lê (como, digamos, Miguel Sousa Tavares) e, sobretudo, não é claro nas suas opções ideológicas (como o ex-director de um jornal semanário que agora devemos todos considerar um expoente do «mau jornalismo»). O dr. Saraiva, na sua tribuna institucional, limita-se a gerir a opinião de uma burguesia que se quer «moderada», mas que, na verdade, oscila entre o nítido complexo de esquerda e o deslize quase reaccionário (lembram-se da sugestão de que o Parlamento não faz falta ao regime?). E, sobretudo, não é imune ao rancor, à vingançazinha, à canelada por baixo da mesa. Tudo isso é humano, e nada condenável, mas que não se esconda atrás de uma atitude olímpica de quem, no fundo, não admite fazer politiquice, como tem que fazer quem escolhe títulos, linhas editoriais, etc (porque o dr. Saraiva é, embora não nos ocorra frequentemente, o director do Expresso). Achamos perfeitamente natural a vaidade de recolher em livro as crónicas de vinte anos de jornalismo, e até há bem pior em letra impressa; mas que o dr. Saraiva não nos faça crer que percebemos melhor a democracia portuguesa por sua causa ou que é nos seus textos que se pensade forma profunda a realidade política portuguesa. Continuamos a preferir o pai.
# A Coluna Infame [link do post]
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