quinta-feira, 29 de novembro de 2007

||| Câmara Corporativa


O que seria normal numa sociedade aberta e de livre concorrência, era que os profissionais mais jovens, aqueles que se iniciaram há menos tempo numa profissão, receassem a competição qualificada dos profissionais mais velhos, há mais tempo instalados, com mais conhecimentos técnicos e profissionais, e com clientela estabelecida no mercado. Em Portugal, é ao contrário: são os profissionais mais velhos que receiam a concorrência dos mais novos e inexperientes. E, para a combater, organizam-se em Ordens profissionais, e impõem estágios e exames eliminatórios aos que querem aceder à profissão. Com isso, dificultam-lhes, atrasam-lhes ou mesmo impedem-lhes a entrada nas profissões que tutelam, melhor dizendo, que controlam. Tudo isto, com certeza, com o alto patrocínio e a conivência do Estado.

Rui A. in Portugal Contemporâneo [link de origem]

||| HONRA PERDIDA


No episódio Luísa Mesquita/PC, ninguém sai bem. Tem a virtude de demonstrar até que ponto a democracia representativa vive do anonimato. Num distrito qualquer vota-se numa lista por esta ordem: por causa do candidato a chefe do governo, por causa do partido e, remotamente, por causa do "cabeça de lista". Abaixo disto, zero. Para substituir Mesquita, o PC já ia na quinta da lista. O dr. Vera Jardim, do PS, estará de "baixa" e dá lugar à simpática Marta Rebelo que é chefe de um gabinete ministerial. O PS e o PSD "retalharam" o país eleitoral numa reedição de um "bloco central" de circunstância que não abona a oposição que é suposto o segundo fazer ao primeiro. A pior "pactologia", tão criticada a Marques Mendes por Menezes, regressa "por cima" com a desconfiança dos aparelhos e dos caciques locais. Estes recentes exemplos da nossa gloriosa democracia representativa não a honram. Todavia, e pensando bem, há quanto tempo é que essa honra não estará perdida?

# João Gonçalves in Portugal dos Pequeninos [link de origem]

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

||| Pilhagens e contrafacções


Deparamos todos os dias na imprensa escrita com crónicas e notícias que recorrem a informações ou ideias que surgiram em primeiro lugar no universo dos blogues. Ou então são mesmo os títulos de determinados posts que são copiados no acto de denominar certas peças. Este blogue – como muitos outros – foi já premiado por diversas vezes com essa atenção. Sei bem que nem sempre uma boa ideia ou um excelente título ocorrem quando desejamos e, felizmente, a blogosfera permanece um mapa do tesouro (e também do veneno) sujeito a todo o tipo de explorações que possam substituir uma momentânea desinspiração. Aquilo que aborrece não é esse comércio mais ou menos desregrado, que até me parece saudável e ao qual já recorri, mas antes a insistência, por parte de alguns, em praticá-lo de um modo sistemático e sem se darem ao trabalho de identificarem fontes e autorias, colocando as citações que vão fazendo entre as devidas aspas. Talvez valha a pena os autores dos blogues – que nem sequer se fazem pagar pelo seu trabalho, como acontece com os nossos copistas «com orelhas equipadas com radar» – abrandarem um pouco a sua pública generosidade e começarem a apontar o dedo nas situações mais flagrantes.

#Rui Bebiano in A Terceira Noite [link de origem]

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

||| Referendo (9)


A reforma constitucional venezuelana promovida pelo Presidente Chávez -- que, entre outras coisas, instaura um "Estado socialista" e suprime o limite dos mandatos presidenciais (cuja duração passa para sete anos) -- vai ser submetida a referendo depois de ter sido aprovada pelo Parlamento. Ninguém duvida de que o referendo confirmará esmagadoramente a nova Constituição.
Há circunstâncias em que os referendos ratificam tudo o que for preciso...

#Vital Moreira in Causa Nossa [link de origem]

|||| A PIDE nunca existiu...


... ou não deve ter sido mais do que um "fait divers". É essa pelo menos a impressão que a RTP1 deixou hoje no jornal das 20:00, ao limitar-se a noticiar em alguns segundos, com uma breve imagem da capa, o livro "História da PIDE", de Irene Pimentel, a primeira monografia histórica sobre a sinistra polícia política do Estado Novo, que deveria merecer da televisão pública outra atenção. Para agravar a omissão, logo a seguir o mesmo noticiário dedicou vários minutos a um outro livro, este sobre um "protegida" de Salazar, incluindo uma entrevista com a autora, dando uma imagem terna do ditador e asseverando que ele desconhecia as malfeitorias da PIDE. Uma vergonha!

Estranhos critérios editoriais, os do serviço público de televisão, quanto à ditadura!

# Vital Moreira in Causa Nossa [link de origem]

sábado, 3 de novembro de 2007

||| RANKINGS, EDUCAÇÃO E DESIGUALDADES.


Portugal, 1974. Numa sociedade globalmente atrasada e fortemente hierarquizada, os percursos de mobilidade social são escassos e raramente passam pela escola. O ensino é dual, estratificado e reprodutor de desigualdades de partida. Nas vésperas do 25 de Abril, 36.4% dos pais dos alunos que frequentavam o micro-cosmos do ensino superior já detinham um grau superior e 64.7% possuíam 4 ou mais anos de escolaridade. Em média, para um casal da classe operária e se nos detivermos exclusivamente no valor da propina mensal, ter um filho no ensino superior equivaleria a gastar mais de 8% de um já depauperado orçamento familiar. Para a esmagadora maioria da população portuguesa, ter um filho na universidade era então uma impossibilidade perpetuadora de assimetrias sociais.


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Depois de 1974, em poucas décadas, o ensino expande-se de uma forma espantosa. Multiplicam-se escolas, universidades, institutos. Aumentou a procura e a oferta. Desenvolveu-se a acção social escolar, reorganizaram-se os currículos, dotaram-se as instituições de ensino de condições físicas e humanas consideráveis. Construíram-se bibliotecas, pavilhões gimnodesportivos, cantinas, inúmeras estruturas de apoio. O ensino público português, independentemente das suas falhas, tem cumprido um papel absolutamente determinante na recuperação do atraso que herdámos do salazarismo. E, ao contrário do discurso oficioso, sabemos hoje que um diploma do ensino superior continua a ser a melhor forma de resistir ao desemprego.


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No meio de tudo isto e do espantoso papel desempenhado pela educação pública em Portugal nos últimos 30 anos, surgem os rankings dos exames do ensino básico e secundário. Pela minha parte não tenho absolutamente nada contra a divulgação de informação, somente contra a ignorância. E os rankings, que não passam de uma seriação de dados, têm sido falsamente apresentados pela direita como uma hierarquia da qualidade dos estabelecimentos de ensino. Nada é mais errado e demagógico. No mínimo, teríamos de desenvolver uma paridade de poder educativo entre cada uma das escolas que envolvesse meio social, número de alunos ou habitus familiar.

O habitus de Bourdieu, com efeito, é um dos mais importantes conceitos para a selecção do meio escolar, demonstrando o peso determinante do meio familiar e da «matriz de percepções» do actor social nos seus resultados, que são variáveis consoante a classe de origem e que tendem a potenciar ou a dificultar as lógicas de manutenção ou diferenciação da mobilidade social. O papel da escola pública é também -- sobretudo? -- atenuar esse universo de desigualdade, dotando os alunos de recursos para limitarem o impacto dessas diferenças nas suas escolhas futuras. Que, por se turno, estão dependentes do «universo de possíveis» de casa um, também ele desigual para o filho de um operário, de um funcionário público, de um empresário, de um desempregado de longa duração ou, digamos, de Jardim Gonçalves.


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Não sei como pode ser assim tão difícil de compreender que os resultados escolares, previsivelmente, não deverão ser propriamente distintos numa turma de X alunos cujos pais não tenham cursos superiores, em famílias sem estímulo particular pela cultura ou pela leitura, sem valorização simbólica do papel da escola e do ensino, cujos consumos caseiros não sejam o Público mas o Destak, uma peça de teatro mas a Família Superstar, sem acesso a computador com Internet, sem possibilidade de pagar a um explicador ou capacidade de perceber qual a diferença entre a Universidade X ou Y e o Curso A ou B, integrando tantas vezes meios sociais onde as preocupações das crianças não são os exercícios de matemática ou química mas o alcoolismo, o desemprego e a falta de dinheiro dos pais para pagar as contas ao fim do mês. Acontece que a «culpa» desta situação não é da escola pública, como alguma direita quer fazer crer, mas de fenómenos sociais mais amplos e problemáticos que têm de ser atacados por várias vias e que não se resolvem com cheques-ensino.


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No Portugal de 2007, esse seria o caminho mais curto para voltar à escola dual e estratificada do «antigamente», provocando um progressivo desinvestimento no ensino público como motor insubstituível de correcção de múltiplas desigualdades sociais de partida. Isto é, desigualdades familiares, estruturantes, independentes do «mérito» do aluno para tirar 18 ou 19. Daí que inúmeras licenciaturas já sejam «endogâmicas»: alguém quer arriscar qual é a percentagem de filhos de médicos que se tornam médicos? E não, não é a «genética» nem o «sangue» que o explica, mas um habitus que manifesta uma profunda desigualdade no acesso a bens simbólicos, culturais, educacionais. A culpa disso é da escola pública?


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Os próprios rankings sustentam claramente essas diferenciações e só a mais pura cegueira ideológica pode fazer esquecê-las ou negá-las: em escolas onde mais de 100 alunos fazem exames, os resultados dos estabelecimentos públicos superam os dos privados. Mais: as escolas com prestações mais baixas, sem excepção, têm todas alunos de meios sociais desfavorecidos. Por outro lado, as escolas dos grandes centros urbanos e com alunos maioritariamente provenientes de classes médias e médias-altas estão mais bem posicionadas nos rankings. E o país das escolas também se divide entre litoral e interior. Tudo isto concorre para a diferenciação global do ranking das escolas, que obviamente não é imune às contradições -- sociais, culturais, económicas -- de Portugal no seu todo.


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Quanto ao cheque-ensino, vamos supor que ele entra em vigor tal como tem sido apresentado pela direita. E imaginemos que um pai se dirige a uma escola privada para inscrever o seu filho. Vamos partir do princípio que essa escola é o Colégio dos Cedros, em Vila Nova de Gaia, apresentado hoje no Público: aí estudam 353 alunos, do pré-escolar ao secundário. São todos rapazes e o seu meio social de origem é elevado. O Colégio disponibiliza actividades extracurriculares como órgão e ballet, as propinas ultrapassam os 500 euros no ensino secundário e a selecção é feita através de entrevista com um membro da direcção da escola. Alguém arrisca qual seria a resposta para o filho de um cantoneiro? De uma empregada de limpeza? De um operário? Não brinquemos. O cheque-ensino não só não resolve nenhum dos problemas que já estão identificados no ensino portugês, como agrava o estigma da estratificação. Se a grande resposta da direita para o problema da educação em Portugal é este, então estamos conversados.

# Tiago Barbosa Ribeiro in Kontratempos [link de origem]

E porque não um estatuto do encarregado de educação?


Quando SE debate o ensino em Portugal as conclusões são sempre as mesmas, os professores são culpados de todos os males, os ministros foram todos incompetentes e os alunos não são responsabilizáveis. De fora fica sempre um dos principais actores do processo educativo, os pais.

A ausência dos pais do processo educativo é um dos traços do actual ensino, uma boa parte deles apenas está interessado em que os filhos tenham “positivas” independentemente dos conhecimentos que os filhos obtenham, não são poucos os que fazem pressões para que os filhos sejam aprovados. Em determinados grupos sociais e étnicos são mesmo os principais responsáveis pelo abandono escolar, seja porque desvalorizam a escola em favor do trabalho (infantil), porque não dão valor ao ensino dos filhos ou ainda, como sucede com alguns ciganos, porque acham que as raparigas não precisam de estudar. O fenómeno não é exclusivo dos pobres, conheço gente que faz coincidir as férias na neve com o período escolar para evitarem as enchentes nas estâncias de neve e aproveitar preços mais baixos.

Na minha infância as famílias tinham orgulho na prestação escolar dos filhos, os melhores eram conhecidos na terra, os comportamentos indisciplinados eram motivo de vergonha e condenação social, os professores conheciam os pais e estes respeitavam a escola e os seus agentes. Com a voracidade urbana ele elo foi quebrado, para muitos pais o Estado deve cuidar-lhes dos filhos, os professores dêem aturar-lhe a indisciplina e no fim s filhos devem voltar com um grau académico, de preferência o de doutor.

É tempo de deixar de ilibar os pais, responsabilizando-os pelo comportamento dos filhos e exigindo-lhes uma maior participação cívica no processo de ensino. Tão importante quando o estatuto do aluno talvez seja o estatuto do encarregado de educação.

Não faz sentido chumbar um aluno por faltas deixando de fora aqueles que têm a obrigação de se assegurar que os seus filhos devem participar nas aulas.

# O Jumento [link de origem]